sexta-feira, 23 de junho de 2017

Todos deveriam ser iguais perante a lei, mas aqueles que fazem política em nome de Deus levam uma boa vantagem

Não é habitual que a Câmara Municipal de São Paulo vote projetos em uma quinta-feira, muito menos no horário (às 21h20) em que foi aprovado o PL 277/2017, que trata do PPI (Plano de Parcelamento Incentivado) e trouxe de contrabando uma anistia de dívidas do IPTU e de multas do PSIU às igrejas.

Leia: Por pressão da bancada evangélica, Câmara de São Paulo aprova anistia de dívidas do IPTU e multas do PSIU às igrejas

Mas o que foi dito nesta sessão extraordinária que aprovou o PPI merece registro para a posteridade. É bastante emblemático do pensamento dominante no Legislativo paulistano, principalmente quando se refere ao vale-tudo da política em nome de Deus. Leia aqui a íntegra da sessão e aguns trechos selecionados.

Por exemplo, do vereador Eduardo Tuma (PSDB):

"Quero defender não apenas minha emenda ao PL 277/2017 – minha e da Frente Parlamentar Cristã em Defesa da Família, que contou com a ajuda do Presidente Milton Leite, que foi um dos grandes articuladores para que ela fizesse parte do texto –, mas, fundamentalmente, uma das mais relevantes da sociedade brasileira, a liberdade de crença e a liberdade de culto."

"No nosso caso, quando nós fizemos essa emenda como Frente Parlamentar, e aí pedindo a remissão dos créditos nós vamos ao encontro – não de encontro, não é uma colisão, mas uma concordância –, vamos ao encontro da Constituição ao impedir o embaraçamento do funcionamento dos templos de qualquer culto. E daí, obviamente, a dizer do trabalho, do papel social que existe, ou que fornece, ou que executa, por exemplo, uma igreja."

"Nós temos trabalho na Cracolândia na recuperação dos dependentes químicos. Volto a ser repetitivo, mas é válido o exemplo, que entidade religiosa, ou que entidade do terceiro setor, que recupera mais os dependentes químicos que não a igreja? (Pausa) Que entidade que ajuda a construir a sociedade mais do que a igreja, e aqui defendo aquilo que acredito como profissão de fé? Que entidade que defende mais a instituição família, no Brasil, do que a igreja? Eu não conheço. Não existe exemplo que possa, aqui, ser cabível, a não ser este que eu dou a V.Exas."

"Por isso, quando nós pedimos remissão daqueles que são os créditos instituídos contra a igreja, nós nada mais fazemos do que concordar com a Constituição e fazer justiça."

"Já foi dito aqui que a Cidade de São Paulo tem uma dificuldade burocrática que, às vezes, é impeditiva. Eu cito exemplo do extremo Sul em que há muitas áreas de mananciais, onde nenhuma edificação ali presente conseguirá a regularização, porque não é passível de regularização um imóvel construído em área de manancial, só que isso ocorre aos milhares, senão aos milhões, sem medo de errar. Então, é dizer que metade da Cidade está irregular e é passível de demolição. Não me parece ser essa a solução sequer possível."

"Esta Casa tem a maior pluralidade possível de representação de diversas regiões, segmentos e classes da sociedade. Uma das minhas missões aqui é a defesa da igreja na cidade de São Paulo. Não tenho receio de afirmar que sou um Vereador evangélico e defendo, e sempre defenderei, a igreja a todo momento nesta Casa. Se for preciso acrescentar um dispositivo a uma lei, alvo de cumprimento de Justiça em favor da igreja, farei hoje e farei sempre, assim como fiz no passado. Não tenho receio de assumir minhas posições e entender suas consequências."

"Quando ingressamos – eu, com a contribuição dos Vereadores Gilberto Nascimento, Souza Santos e Rodrigo Goulart – com o projeto e apresentamos a emenda, já era clara a intenção de beneficiar a igreja na cidade de São Paulo."

"Nesse sentido, nós fizemos três contribuições. A primeira delas é a remissão do crédito tributário, relacionado ao IPTU dos imóveis que são próprios das entidades religiosas, ou seja, se a escritura ou matrícula for de propriedade de uma entidade religiosa, de uma igreja, e se essa tiver uma dívida de IPTU, poderá requerer a remissão desse crédito."

"O segundo ponto revela a complexidade da emenda. Existem imóveis que são ocupados por igrejas, mas não são propriedades da igreja e sim locados; esses também serão passíveis de remissão de todo crédito constituído em relação ao IPTU. Isso porque, para que a igreja tenha a isenção prevista em legislação municipal da cidade de São Paulo quanto a imóveis locados, ela precisa apresentar fundamentalmente a regularidade da edificação, o alvará de funcionamento e o contrato de locação em nome da igreja. Nesse sentido, como já foi dito, existe uma enorme dificuldade na cidade de São Paulo quanto à regularização das edificações, sem a qual não poderia haver o pedido de isenção. Por isso acrescentamos essa possibilidade de remissão de crédito tributário."

"Finalmente, a última emenda feita, contribuição da Frente Cristã em Defesa da Família, são os créditos não tributários, excetuadas as multas de trânsito. Parafraseando o que já foi dito no Plenário, o PSIU foi feito para educar e não para punir, mas as igrejas são constantemente fiscalizadas e, muitas vezes, com um rigor muito maior por esse programa da Prefeitura do que, por exemplo, bares, boates ou qualquer outra atividade que cause ruído. As igrejas são multadas pelo PSIU numa quantidade assombrosa e, em muitos casos, até inviabilizando sua própria atividade."

"Quanto à legalidade, como achar justo que uma entidade do terceiro setor, que só promove o bem, tenha a sua atividade inviabilizada por uma multa fruto de uma fiscalização exacerbada? Já prevendo isso, o substitutivo contempla a remissão dos créditos de natureza não tributária, incluída esse tipo de multa."

Vereador Claudio Fonseca (PPS):

"O nobre Vereador Eduardo Tuma é uma pessoa empenhada em tratar dessas questões relativas a imunidades e isenções. S.Exa. têm debatido com os Srs. Vereadores para persuadi-los a contemplar determinados segmentos que o procuraram para resolver problemas. Tem mérito S.Exa, mas não compartilho com essa opinião do Vereador nem com a iniciativa de emenda que S.Exa. está trabalhando legitimamente. Não estou questionando a legitimidade nem apondo má intenção ao ato do Vereador, mas sabemos que os templos de diferentes matrizes religiosas possuem isenção, tanto para as áreas de cultos quanto para as áreas conexas às atividades do templo religioso. E as imunidades ou isenções, no tempo, foram ficando mais elásticas, e acho que até mesmo as igrejas poderiam, deveriam contribuir."

"Sempre que passo pelo Templo de Salomão, uma boa edificação arquitetônica, vejo o valor, a riqueza ali agregada e a quantidade de fiéis que fazem as suas contribuições. Acho que poderia pagar imposto, deveria pagar imposto."

"Há alguns templos que não podem, mas há outros em que vemos o poder econômico, a expansão de seus negócios permitindo obviamente que seus fiéis tenham templos cada vez mais confortáveis. Seria então necessário que contribuíssem. Sei que não é simpático assim dizer, mas é necessário que haja a contribuição dos templos, dos clubes, dos times de futebol, de algumas fundações, de algumas organizações sociais que, a pretexto de não terem fins lucrativos, mas obtêm seus lucros, geram recursos."

"Hoje até mesmo um imóvel particular alugado para uma igreja goza de isenção, paga aluguel e o imóvel fica isento. E há a possibilidade desse imóvel não estar regular, de ser devedor e, ao estar instalado um templo religioso, o imóvel poderá se beneficiar do Programa de Parcelamento Incentivado sem estar regular. Acho que essa é uma concessão abusiva perante as exigências que se impõe aos contribuintes comuns. E quanto mais isenções houver, mais difícil será manter os serviços."

Vereador David Soares (DEM):

"Nós fizemos todo um esforço, porque, muitas vezes, é confundido igreja com negócio. Igreja não é negócio. A pessoa vai voluntariamente, não paga nada, e até desmistificando alguns conceitos errados, ninguém paga para fazer parte da igreja, seja dízimo ou oferta. Tudo é voluntário. A pessoa dá se quiser. Se não quiser, é problema da pessoa. Que continue lá e faça o que quiser."

"Então, nós queremos deixar bem claro para o Governo, para quem nos assiste e para o público em geral que nós fizemos um esforço, para o Governo compreender que existe uma lei constitucional. Muitas vezes, eu não quero usar essa palavra, mas vou ter que usar – é burlada – por ações, por exemplo, de supostas fiscalizações. Muitas vezes, as igrejas não conseguem se legalizar porque há um problema imobiliário. A grande maioria delas são frutos de aluguéis. Não são imóveis próprios, e, por serem alugados, muitas vezes, encontram-se irregulares, e aí somos atingidos pela lei – diga-se de passagem, que é muito boa – mas merece haver uma revisão urgente: a lei da Cidade Limpa."

"Diga-se de passagem, a grande maioria dos imóveis, em São Paulo, não consegue regularização, ou seja, se tentar alugar, vão decair, e haveria problemas na hora de se requerer o alvará de funcionamento. Aliás, diga-se de passagem, a igreja deveria ser isenta de alvará. É uma coisa que já se cansou. No Rio de Janeiro, não se exige alvará."

Vereador Dalton Silvano (DEM):

"Eu tive a oportunidade de contribuir também como evangélico e viver esse grande problema na Cidade Tiradentes. É onde eu vivo, onde nós temos várias igrejas que levantam as suas portas em condomínios, em outros terrenos irregulares, e acabam sendo, realmente, penalizadas."

Vereador Souza Santos (PRB):

"Eu quero agradecer, Vereador Eduardo Tuma, a V.Exa. pela luta, pelo trabalho com intrepidez e afinco, pela audácia com que V.Exa. tem trabalhado com relação a essa questão das igrejas no PPI."

Vereador Gilberto Nascimento (PSC):


"Apenas, Vereador Eduardo Tuma, tomar 30 segundos aqui para, também, deixar a minha colocação, o meu agradecimento, ao Presidente desta Casa, que fez um grande esforço, junto não só da Bancada Evangélica, mas da Bancada Cristã, e aos demais Vereadores que estiveram conosco debatendo e que entendem, realmente, o protagonismo das igrejas e da religião na sociedade hoje em dia."

"Nós estamos, hoje, vivendo um caos na região da Cracolândia. Eu sempre fui a favor da força-tarefa que foi feita na Cracolândia. E nós temos resultados, muitos deles respaldados pelo trabalho social que as igrejas têm feito."

"Então, vale aqui essa sensibilidade do substitutivo do Governo, que pôde colocar no PPI essa sinalização para as igrejas, para que elas possam continuar cumprindo o seu papel na sociedade da cidade de São Paulo."

Vereadora Rute Costa (PSD):

"Gostaria de agradecer o esforço de todos os Vereadores, agradecer a compreensão de todos, aqueles que, de maneira direta ou indireta, contribuíram com esse projeto que vai ser de grande relevância para a igreja. Também porque a igreja contribui muito com a sociedade."

"A igreja tem um olhar especial para aqueles que a sociedade deixa à margem. Àqueles que estão à margem da sociedade, a igreja vai buscar, vai resgatar, além dos orfanatos, das creches. A igreja tem grande relevância na sociedade quanto à formação de caráter de grandes personalidades que hoje ocupam lugares de relevância em nossa sociedade, pessoas que passaram por essa rede de auxilio da igreja. É importante que haja um afago do nosso Município para com a igreja, e não só para uma instituição religiosa, mas para todos os templos religiosos."

"É importante e eu quis vir aqui agradecer o esforço de todos, principalmente do nosso Presidente e da frente que se formou nesta Casa. Vai ficar gravado nos Anais desta Casa que houve um tempo em que uma frente defendeu o interesse da igreja."

Vereador João Jorge (PSDB):

"Enquanto o Vereador Tuma discursava da tribuna, S.Exa. nos trouxe um assunto importante, delicado, complexo. Em algum momento é interessante que coloquemos o dedo na ferida, falemos do PSIU, da lei do silêncio."

"Por que tanta gente é multada? E agora não falo somente das igrejas, falo também das igrejas, mas falo de outras atividades comerciais da cidade. Das informações que tenho, estou dando uma olhada na lei do PSIU, parece-me que em alguns pontos essa lei é extremamente rigorosa, está além do razoável. Temos de analisar que essa lei, claro, é rigorosa para alguns, e eu diria até que a sua aplicação é mais rigorosa para alguns."

V"amos falar, por exemplo, do caso das igrejas. Nas igrejas os cultos vão até 21h30, 22h, geralmente acontecem duas vezes por semana, começa às 19h, 19h30, 20h, e 21h30, 22h acaba. Claro, há um excessivo rigor. Mas o mais interessante é que estou dando uma estudada na lei do silêncio, de como é a sua aplicação e quais os critérios, os números, os parâmetros na cidade de Nova York. Parece que São Paulo tem sido mais realista do que o rei."

"Mesmo em uma cidade de primeiro mundo, como Nova York, não há exigência como há em São Paulo. Parece-me que o número de decibéis, que passa a ser usado para aplicação da multa, está excessivamente baixo. Se nós conversarmos em duas, três pessoas, já atinge o número necessário para uma multa. Então, é interessante que façamos um estudo para analisar em outros países do mundo, em outras grandes cidades, como funciona essa lei durante o dia e até às 22h, que me parece que é uma boa hora para ter um parâmetro diferente, um rigor mais excessivo a partir das 22h. Depois de analisarmos isso, apresentarei para os colegas Vereadores, quem sabe, um projeto de lei para que o rigor da lei possa ser exigido, mas que a lei não seja tão voraz como é e sua aplicação, não seja tão direcionada como é atualmente."

Vereadora Edir Sales (PSD):

"Quero agradecer ao Presidente Milton Leite pelo espírito democrático que tem, pois nos ajudou muito na questão das emendas, como a emenda das igrejas, que beneficiará as igrejas católicas, evangélicas, templos maçônicos – a pedido do nobre Vereador Rodrigo Goulart, que se esforçou pelos templos maçônicos. Como a nobre Vereadora Rute Costa acaba de falar, essa emenda beneficiará todos os templos que realmente tiram pessoas da rua, tiram jovens da droga, resgatam famílias e fazem um trabalho maravilhoso."

"Quero agradecer também o Governo Municipal, que esteve presente, como sempre está, um governo que realmente tem se esforçado ao máximo; embora, é claro que não se consegue nada da noite para o dia. Nobre Vereador Tuma, agradeço a V.Exa., em nome de todos da bancada cristã. Todos foram excelentes, maravilhosos, diferenciais, mas muito obrigada por V.Exa. ter arregimentado a nossa luta."

Vereadora Janaína Lima (NOVO):

"Gostaria de, primeiro, ressaltar a vitória da Bancada Cristã desta Casa. É importante, porque hoje os valores da família estão muito distorcidos e esquecidos. Muito tem se falado do que a periferia precisa, e muitas vezes o que a periferia precisa é de família. Ao não encontrar a família, a comunidade a encontra na igreja. Por isso é importante defendermos os valores da família, para conseguirmos de fato ter uma sociedade alicerçada, forte e pujante."

Vereador Milton Leite (DEM), na presidência da sessão:

"Gol do Corinthians!" (anunciando o primeiro dos três gols do seu time na vitória de 3 x 0 sobre o Bahia; registre-se que todos foram anunciados e estão nas notas taquigráficas da Câmara para a posteridade, assim como a defesa da lei que privilegiou as igrejas).

(...)

Só por Deus, mesmo. Assim caminha a Câmara Municipal de São Paulo...