quarta-feira, 17 de maio de 2017

À esquerda e à direita, projetos polêmicos se somam ao embate político na base governista, travam pauta da semana na Câmara e deixam sessões sem quorum para votação

Não se votou nada nesta quarta-feira, na Câmara Municipal de São Paulo, apesar dos esforços para que se aprovasse em primeira votação um pacote de projetos de iniciativa dos vereadores.

O clima da base governista não é dos melhores. Com isso, parlamentares da situação se rebelam e não dão quorum nas sessões. Há um racha evidente e uma disputa mal disfarçada de espaço na máquina, que se traduz nesta semana que já termina sem nenhuma votação (as sessões de quarta e quinta foram desconvocadas).
 
Além da falta de clima político para realização das sessões, alguns projetos se sobrepõem às clássicas divisões entre governo e oposição e reúnem votos favoráveis e contrários nos dois pólos, transferindo o embate parlamentar para o velho campo ideológico: Esquerda x Direita.

Esse confronto se materializou, nesta quarta-feira, num confronto entre os defensores de cotas para "negros e/ou índios" nos conselhos de participação e controle social do município, de um lado, contra os opositores da ideia da descriminalização do aborto, no córner oposto.

Muitas vezes, são iniciativas apresentadas propositalmente para causar polêmica e gerar repercussão em fatias específicas do eleitorado - setores mais progressistas ou mais conservadores, de acordo com o interesse do vereador ou de seu grupo político.

No congresso de comissões que antecedeu a sessão extraordinária desta quarta-feira, sessão esta que acabou não tendo prosseguimento por falta de quorum, essas provocações entre esquerda e direita foram resolvidas com a retirada dos projetos da pauta das comissões com uma solução burocrática: a falta de quorum para aprovação dos pareceres pela legalidade (antes mesmo de seguirem para votação na sessão extraordinária).

Nascituro x Aborto

É o caso, por exemplo, do Projeto de Lei 134 /2017, que institui no calendário de comemorações oficiais do município o Dia do Nascituro. À primeira vista, parece uma ideia inofensiva, mais uma entre tantas outras datas comemorativas na cidade de São Paulo, a proposta dos vereadores Fernando Holiday (DEM), João Jorge (PSDB), Rinaldi Digilio (PRB), Rute Costa (DEM), Conte Lopes (PP), Gilberto Nascimento (PSC) e Isac Felix (PR). Mas na verdade é um libelo contra o aborto.

O projeto estabelece o dia 9 de maio como Dia do Nascituro, quando a Prefeitura deverá "promover palestras, seminários e demais eventos alusivos à data nas escolas, nas associações de pais e professores e nas demais entidades da sociedade civil organizada do município". Também determina que "as escolas da rede pública e privada serão incentivadas a abordar, junto aos seus alunos, o tema do direito do nascituro à vida."

Veja ainda a justificativa dos autores para o Dia do Nascituro, a ser celebrado, anualmente, no dia 10 de maio (Atenção: o texto do PL que fala em 9 de maio; a justificativa, 10 de maio): "A defesa da vida deve ser realizada desde o momento da fecundação. Tanto a mãe como o feto necessitam de cuidados especiais em todos os aspectos. A instituição do Dia Municipal do Nascituro da forma estabelecida neste Projeto visa possibilitar alternativas para maior conscientização dos Paulistanos tanto em relação à saúde física, mental e psicológica da mãe e do nascituro, assim como esclarecer sobre a questão do aborto e suas consequências. Em face do exposto, solicitamos a aprovação pelos nobres pares." (sic)

Como os vereadores mais à esquerda chiaram com a inclusão na pauta deste projeto contrário ao aborto, gerando a falta de quórum no congresso de comissões, outros projetos polêmicos do campo oposto acabaram caindo pelo mesmo motivo. A intenção era manter a aprovação simbólica, em primeira votação, dos projetos que não enfrentassem tanta resistência. 

Cotas para "negros e/ou índios"

Então, caiu, por falta de quorum, o PL 187/2017, dos vereadores Eduardo Matarazzo Suplicy (PT), Isa Penna (PSOL), Eduardo Tuma (PSDB) e Sâmia Bomfim (PSOL), que pretende instituir cotas étnico-raciais de 25% para "negros e/ou indígenas" na composição dos conselhos de participação e controle social do município, incluindo-se os conselhos gestores. 

São exemplos destes conselhos o COMAS - Conselho Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social; o Conselho Municipal de Cultura; o GCMI - Grande Conselho Municipal do Idoso; e o CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; entre outros. 

Já a vereadora Juliana Cardoso (PT), em resposta ao pedido de votação nominal (ato deliberado para derrubar o projeto) feito por Fernando Holiday (DEM) para o PL 618/2016, de autoria da petista, retirou-o de pauta antes mesmo que fosse verificada a falta de quorum. Ela quer instituir no calendário oficial de eventos da cidade o "Dia da Festa de Alasitas", referência a uma tradicional comemoração do povo boliviano - que tem imigrado para São Paulo em quantidade crescente.

Após quase três horas de trabalhos no congresso de comissões e discursos inflamados no plenário, encerrou-se mais uma semana sem nenhuma votação. A próxima sessão extraordinária só mesmo na semana que vem, após o chamado Colégio de Líderes. Busca-se algum acordo. Veremos como avançam as conversações.